16 dezembro 2008

Quedas…Um sinal de alerta.

QUEDAS

A queda pode ser considerada um evento sentinela na vida de uma pessoa idosa, um marcador potencial do início de um importante declínio da função ou um sintoma de uma patologia nova. Seu número aumenta progressivamente com a idade em ambos os sexos, em todos os grupos étnicos e raciais1(D).

idosos[1]

DEFINIÇÃO

É o deslocamento não-intencional do corpo para um nível inferior à posição inicial com incapacidade de correção em tempo hábil, determinado por circunstâncias multifatoriais comprometendo a estabilidade2-5(D).

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EPIDEMIOLOGIA

Ocorrência de quedas por faixas etárias a cada ano:

  • 32% em pacientes de 65 a 74 anos;
  • 35% em pacientes de 75 a 84 anos;
  • 51% em pacientes acima de 85 anos 2(D);

No Brasil, 30% dos idosos caem ao menos uma vez ao ano6(D).

A freqüência é maior em mulheres do que em homens da mesma faixa etária7(B):

Incidência bruta de fraturas do fêmur proximal em pessoas com 70 anos ou mais:

  • mulheres - 90, 21/10.000;
  • Homens - 25,46/10.0008 (B).

Idosos de 75 a 84 anos que necessitam de ajuda nas atividades de vida diária (comer, tomar banho, higiene íntima, vestir-se, sair da cama, continência urinária e fecal) têm uma probabilidade de cair 14 vezes maior que pessoas da mesma idade independentes 9(B).

CONSEQUÊNCIAS

  • 5% das quedas resultam em fraturas;
  • 5% a 10% resultam em ferimentos importantes necessitando cuidados médicos;

Mais de dois terços daqueles que têm uma queda cairão novamente nos seis meses Subseqüentes 2(D);

Os idosos que caem mais de duas vezes em um período de seis meses devem ser submetidos a uma avaliação de causas tratáveis de queda. Quando hospitalizados, permanecem internados o dobro do tempo se comparados aos que são admitidos por outra razão10(D);

No Brasil, a participação das quedas na mortalidade proporcional por causas externas cresceu de 3% para 4,5% de 1984 a1994(D).

INCIDÊNCIA DE ÓBITO

As quedas têm relação causal com 12% de todos os óbitos na população geriátrica2(D);

São responsáveis por 70% das mortes acidentais em pessoas com 75 anos ou mais10(D);

Constituem a 6ª causa de óbito em pacientes com mais de 65 anos 2(D);

Naqueles que são hospitalizados em decorrência de uma queda, o risco de morte no ano seguinte à hospitalização varia entre 15% e 50% 2(D).

FATORES DE RISCO

A estabilidade do corpo depende da recepção adequada de informações de componentes sensoriais, cognitivos (orientação têmporo-espacial; memória; capacidade de cálculo; capacidade de planejamento e decisão; linguagem - expressão e compreensão), integrativos centrais(principalmente cerebelo), musculoesqueléticos, de forma altamente integrada3,5(D). O efeito cumulativo de alterações relacionadas à idade, doenças, e meio-ambiente inadequado parecem predispor à queda.

FATORES DE RISCO INTRÍNSECOS:

Alterações fisiológicas do processo de envelhecimento 2,3(D):

  • Diminuição da visão (redução da percepção de distância e visão periférica e adaptação ao escuro);
  • Diminuição da audição (não ouve sinais de alarme);
  • Distúrbios vestibulares (infecção ou cirurgia prévia do ouvido, vertigem posicional benigna)11(D);
  • Distúrbios proprioceptivos – há diminuição das informações sobre a base de sustentação – os mais comuns são a neuropatia periférica e as patologias degenerativas da coluna cervical;
  • Aumento do tempo de reação à situações de perigo;
  • Diminuição da sensibilidade dos baroreceptores à hipotensão postural;
  • Distúrbios músculo-esqueléticos: degenerações articulares (com limitação da amplitude dos movimentos), fraqueza muscular (diminuição da massa muscular);
  • Sedentarismo;
  • Deformidades dos pés.

PATOLOGIAS ESPECÍFICAS 2,3,12 (D):

  • Cardiovasculares: hipotensão postural, crise hipertensiva, arritmias cardíacas, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva, síncope vaso-vagal (calor, estresse, micção) e insuficiência vértebro-basilar;
  • Neurológicas: hematoma sub-dural,demência, neuropatia periférica, AVC e seqüela de AVC, acidente vascular cerebral isquêmico transitório, parkinsonismo, delirium, labirintopatias e disritmia cerebral;
  • Endócrino-metabólicas: hipo e hiperglicemias, hipo e hipertireoidismo e distúrbios hidro-eletrolíticos;
  • Pulmonares: DPOC e embolia pulmonar;
  • Miscelânia: Distúrbios psiquiátricos (exemplo: depressão), anemia (sangramento digestivo oculto), hipotermia e infecções graves (respiratória, urinária, colangite, sepse).

MEDICAMENTOS 2,3(D)13(A):

  • Ansiolíticos, hipnóticos e antipsicóticos;
  • Antidepressivos;
  • Anti-hipertensivos;
  • Anticolinérgicos;
  • Diuréticos;
  • Anti-arritmicos;
  • Hipoglicemiantes;
  • Antiinflamatórios não-hormonais;
  • Polifarmárcia (uso de 5 ou mais drogas associadas).

Deve-se considerar como de alto risco para quedas, aqueles pacientes do sexo feminino,com 80 anos ou mais, equilíbrio diminuído, marcha lenta com passos curtos, baixa aptidão física, fraqueza muscular dos membros inferiores, deficiência cognitiva, uso de sedativos e/ou polifarmácia6(D).

FATORES DE RISCO EXTRÍNSECOS2-5,10(D)

Mais de 70% das quedas ocorrem em casa, sendo que as pessoas que vivem só apresentam risco aumentado. Fatores ambientais podem ter um papel importante em até metade de todas as quedas.

  • Iluminação inadequada;
  • Superfícies escorregadias;
  • Tapetes soltos ou com dobras;
  • Degraus altos ou estreitos;
  • Obstáculos no caminho (móveis baixos, pequenos objetos, fios);
  • Ausência de corrimãos em corredores e banheiros;
  • Prateleiras excessivamente baixas ou elevadas;
  • Calçados inadequados e/ou patologias dos pés;
  • Maus-tratos;
  • Roupas excessivamente compridas;
  • Via pública mal conservada com buracos ou irregularidades.

A NAMNESE ESPECÍFICA2,3,14(B)

  • Onde caiu?
  • O que fazia no momento da queda?
  • Alguém presenciou a queda?
  • Faz uso de benzodiazepinicos, neurolépticos, antidepressivos, anticolinérgicos, hipo glicemiantes, medicação cardiológica ou polifarmácia (5 ou mais medicamentos diários)?
  • Houve introdução de alguma droga nova ou alteração das dosagens?
  • Faz uso de bebida alcoólica?
  • Houve convulsão ou perda de consciência?
  • Houve outras quedas nos últimos 3 meses? Em caso positivo, permaneceu caído mais de 5 minutos sem conseguir levantar-se sozinho?
  • Houve mudança recente no estado mental?
  • Fez avaliação oftalmológica no ano anterior?
  • Há fatores de risco ambientais?
  • Há problemas sociais complexos ou evidências de maus-tratos?
  • Há problemas nos pés ou calçados inadequados?
  • Os idosos que apresentam fatores de risco conhecidos para quedas devem ser questionados, periodicamente e de forma incisiva, pois devido ao temor de serem institucionalizados, freqüentemente, omitem a ocorrência desses acidentes10 (D).

EXAME FÍSICO2,3,14 (B)

  • Sinais vitais;
  • Orientação (data, local); sinais de localização neurológica;
  • Estado de hidratação, sinais de anemia, estado nutricional;
  • Exame cardiorrespiratório;
  • Situação dos pés;
  • Sinais de trauma oculto (cabeça, coluna, costelas, extremidades, pelve, quadris);
  • Atenção para apresentações atípicas das doenças;

Avaliação do equilíbrio e marcha:

  • Instabilidade ao ficar de pé;
  • Instabilidade ao ser puxado ou empurrado com uma leve pressão no esterno;
  • Instabilidade ao fechar os olhos em posição de pé;
  • Instabilidade com extensão do pescoço ou ao virar para os lados;
  • Instabilidade ao mudar de direção;
  • Dificuldade de sentar-se e levantar-se;
  • Diminuição da altura e comprimento dos passos;
  • Teste “get-up and go” (levante-se e ande):

o paciente sentado em uma cadeira sem braços deverá levantar-se e caminhar três metros até uma parede, virar-se sem tocá-la, retornar à cadeira e sentar-se novamente, à medida queo médico observa eventuais problemas de marcha e/ou equilíbrio10 (D).

MODELO INVESTIGATIVO

quadro

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REPERCUSSÕES

Para uma pessoa idosa, a queda pode assumir significados de decadência e fracasso gerados pela percepção da perda de capacidades do corpo potencializando sentimentos de vulnerabilidade, ameaça, humilhação e culpa. A resposta depressiva subseqüente é um resultado esperado15,16 (D).

Aqueles que sofrem quedas apresentam um grande declínio funcional nas atividades de vida diária e nas atividades sociais, com aumento do risco de institucionalização10 (D). A fim de evitar a síndrome da imobilidade, por medo de andar é mister a intervenção psicológica. Esta pressupõe estudo atento e percepção compreensiva da realidade em questão, que devem orientar a organização de procedimentos técnicos articulados que, no seu conjunto, implique num planejamento realista que leve em conta as possibilidades e os limites gerados pela situação7,17(D). A ruptura com o cotidiano e a estranheza da nova situação de cuidados podem radicalizar a dissolução da identidade, desencadeando ou agravando alterações mentais18 (D).

PREVENÇÃO2-5,9,12,19-21(B)

A gravidade potencial das quedas nos idosos confere à prevenção um lugar privilegiado.

Seguem as diretrizes a serem tomadas:

1. Orientar o idoso sobre os riscos de queda e suas conseqüências. Esta informação poderá fazer a diferença entre cair ou não e, muitas vezes, entre a instalação ou não de uma capacidade.

2. Avaliação geriátrica global, com medidas corretivas adequadas enfocando:

  • função cognitiva;
  • estado psicológico (humor);
  • capacidade de viver só e executar as atividades de vida diária;
  • condição econômica.

3. Racionalização da prescrição e correção de doses e de combinações inadequadas.

4. Redução da ingestão de bebidas alcoólicas.

5. Avaliação anual: oftalmológica, da audição e da cavidade oral.

6. Avaliação rotineira da visão e dos pés.

7. Avaliação com nutricionista para correção dos distúrbios da nutrição.

8. Fisioterapia e exercícios físicos (inclusive em idosos frágeis) visando:

  • melhora do equilíbrio e da marcha;
  • fortalecimento da musculatura proximal dos membros inferiores;
  • melhora da amplitude articular;
  • alongamento e aumento da flexibilidade muscular;
  • atividades específicas para pacientes em cadeiras de rodas;
  • identificação dos pacientes que caem com freqüência, encorajando a superar o medo de nova queda através de um programa regular de exercícios. Idosos que se mantêm em atividade, minimizam as chances de cair e aumentam a densidade óssea evitando as fraturas.

9. Terapia ocupacional promovendo condições seguras no domicílio (local de maior partedas quedas em idosos); identificando “estresses ambientais” modificáveis; orientando, informando e instrumentalizando o idoso para o seu auto-cuidado e também os familiares e/ou cuidadores.

10. Denunciar suspeita de maus-tratos.

11. Correção de fatores de risco ambientais (por exemplo: instalação de barra de apoio no

banheiro e colocação de piso antiderrapante).

12. Medidas gerais de promoção de saúde:

  • prevenção e tratamento da osteoporose: cálcio, vitamina D e agentes anti-rearbsortivos;
  • imunização contra pneumonia e gripe;
  • orientação para evitar atividades de maior risco (descer escadas por exemplo) em idosos frágeis desacompanhados.

É consenso que a queda é um evento de causa multifatorial de alta complexidade terapêutica e de difícil prevenção, exigindo dessa forma uma abordagem multidisciplinar 1,5,22-24(D). O objetivo é manter a capacidade funcional da pessoa, entendendo esse novo conceito de saúde particularmente relevante para os idosos como a manutenção plena das habilidades físicas e mentais, prosseguindo com uma vida independente e autônoma 25(D).

REFERÊNCIAS

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