11 dezembro 2008

Dor crônica…O que a ciência tem a dizer.

Quando a dor deixa de cumprir sua função de sinal defensivo, torna-se inútil. E quando se prolonga durante meses transforma-se em dor crônica, um sofrimento que afeta um em cada cinco europeus e está longe de ser controlado. Muitas equipes científicas trabalham para entender o problema e criar novos tratamentos, mas a solução também passa por uma melhor abordagem psicológica.
Há uma dor protetora, causada por um estímulo externo, e outra reparadora, que garante que a região danificada tem a possibilidade de se recuperar, criando sensibilidade em torno dela. Mas há um terceiro tipo de dor que é inútil: a crônica. Na Europa, uma em cada cinco pessoas sofrem desse mal, que é uma das principais causas de absenteísmo laboral (500 milhões de dias perdidos) e custa mais de 34 bilhões de euros por ano.
Os pacientes não entendem as causas da dor crônica, e por incrível que pareça essa condição está muito longe de ser bem compreendida e abordada pela ciência e a medicina. A frustração de alguns doentes aumenta quando não se encontra nada neles e os tratamentos não surtem efeito. Às vezes se insinua que o problema está em sua cabeça.
Efetivamente, é no cérebro que são gerados todos os problemas secundários, causas e efeitos tão envolvidos na dor que se torna difícil separá-los para poder estudá-los: depressão, ansiedade, medo de qualquer movimento que gere mais dor, redução de atividades e perda da vida social, inclusive do trabalho. Mas isso não quer dizer que a dor que os pacientes sofrem seja imaginária.
Na dor crônica a sensação dolorosa continua chegando ao cérebro mesmo quando as causas que a originaram já desapareceram. Algo falha nos receptores neurobiológicos para que o sinal da dor se amplifique como em alto-falantes. Os pesquisadores que tentam entender e remediar o problema estudam os sinais químicos produzidos nos canais que transmitem a dor para criar medicamentos que bloqueiem essa transmissão, ou para estudar os canais em que ocorre essa amplificação ou tradução errônea das mensagens.
A equipe de Hans Zeilhofer, professor de farmacologia da Universidade de Zurique (Suíça), apresentou recentemente a descoberta de receptores específicos de GABA (o maior neurotransmissor inibidor do sistema nervoso) que inibem o sinal da dor através da medula espinhal. "Há muitas substâncias que ativam a função inibidora de GABA no cérebro. Mas também produzem efeitos indesejados. Felizmente, não há um único tipo de receptores GABA, e nossa equipe encontrou os dois receptores alfa 2 e alfa 3 responsáveis pela inibição da dor, que podem ser separados dos efeitos secundários que provavelmente são gerados quando os demais receptores se encontram ativados."
Em experimentos com ratos, Zeilhofer conseguiu bloquear o sinal de dor que viaja pela medula espinhal até o cérebro, assim restabelecendo o filtro que se encontra nessa parte do corpo em que convergem muitas causas da dor e viajam muitos de seus sinais, embora não seja a única.
O desafio agora é "encontrar uma droga adequada para os humanos, que não seja tóxica; e, caso se consiga, realizar testes clínicos".

Michael Lee, da Universidade de Oxford (Reino unido), tenta entender em experimentos com voluntários quais são os mecanismos que se ativam na dor crônica, e principalmente em que parte do cérebro isso ocorre. "Utilizo capsaicina para aumentar a sensibilização temporária à dor em voluntários. Quando se aplica na pele, ativa sensores ao calor que se encontram nos nervos sob a pele. Os nervos geram um sinal que viaja para a medula espinhal e daí ao tronco do encéfalo e ao cérebro", explica.
Mas o que faz que essa sensibilização à dor não desapareça? "Uma teoria é que a atividade causada nos nervos pela capsaicina ou por um ferimento real não é só transmitida à medula espinhal, como também causa uma mudança no sistema nervoso através do qual viaja. Esses circuitos se reconectam no sistema como amplificadores e aumentam a atividade nervosa, gerando mais dor, apesar de a causa ter desaparecido."
Lee tenta localizar onde se encontram esses amplificadores, que poderiam estar no tronco do encéfalo. Em sua opinião, "se conseguirmos identificá-los, teremos pelo menos alguns alvos específicos, de forma que poderemos saber que pacientes têm predisposição para desenvolver uma dor crônica antes de submeter-se a uma operação e aconselhá-los".
Contudo, as soluções passam cada vez mais por ressaltar o caráter subjetivo que define a dor. Uma pesquisa recente causou polêmica ao salientar que as mulheres - mais suscetíveis à dor - e os homens utilizam circuitos cerebrais diferentes para canalizar a dor crônica, sugerindo que o cérebro masculino e o feminino poderiam ser mais diferentes do que se pensava.
As últimas pesquisas indicam que a dor crônica poderia ser gerada não só de forma física, no corpo, mas também no cérebro. "Pode ser produzida por danos nos neurônios do cérebro, e esse é um processo que ainda não entendemos bem. Com experimentos em humanos e animais podemos compreender em que parte do cérebro se produz a dor. Há uma parte do cérebro que administra nosso estado de ânimo, o sono, a ansiedade, e sabemos que a dor tem entrada nessa parte do cérebro, o que explicaria por que as doenças nas quais há dor degeneram em transtornos do sono, mal humor e situações de estresse generalizado", explica Tony Dickenson, professor de neurociência, fisiologia e farmacologia do University College em Londres.
"Atualmente tentamos compreender o que acontece quando o tecido e o nervo se danificam e começa a dor, nos sinais elétricos que ocorrem, para conseguir melhores medicamentos. Mas também sabemos por experiência que há mecanismos no cérebro que nos permitem sentir mais ou menos dor, e estamos tentando trabalhar nessa conexão, os canais que devolvem o sinal do cérebro para a medula óssea", acrescenta o pesquisador.
Muitos acreditam que a dor crônica é tão complexa que nunca será encontrada uma cura definitiva. Mas Dickenson se mostra esperançoso: "Avançamos muito nos últimos dez anos e há muito trabalho em andamento para entender os mecanismos e os sinais químicos que são produzidos. Isso nos ajudaria a utilizar melhor inclusive medicamentos que já existem hoje no mercado".
O que parece claro é que o tratamento da dor crônica passa por uma combinação de medicamentos, fisioterapia e psicologia. E que qualquer avanço é um grande passo. "Mesmo que só conseguíssemos reduzir a dor pela metade, teria um grande impacto na qualidade de vida dos pacientes", conclui Dickenson.